NOTÍCIA DE FATO
Na data de 03 de fevereiro do ano de 2020, o Ministério da Saúde, por meio da Portaria MS nº 188, de 3 de fevereiro de 2020, declarou Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) em decorrência da Infecção Humana pelo Novo Coronavírus.
Mais à frente, na data de 11 de março do ano de 2020, a OMS - Organização Mundial de Saúde - decretou pandemia sobre a contaminação oriunda do Coronavírus, cuja doença causada foi denominada COVID-19.
Ao ensejo da declaração de pandemia, o vírus contaminava por volta de 118 mil pessoas ao redor do mundo e desde então, num crescimento diário, incontrolável e exponencial, já contaminou mais de um milhão e oitocentas mil pessoas mundo afora, com mais de 116 mil mortes, mais de 1.200 delas no Brasil[1].
Atento ao contexto de proliferação e perigo à saúde pública e pessoal representada pelo novo vírus, Chefes dos Poderes Executivos Estaduais e Municipais instituíram, à luz de orientações técnicas editadas pela OMS e pelo Ministério de Saúde, atos legislativos (sentido amplo) com restrições à circulação de pessoas, os quais voltaram-se, sobretudo, à paralisação de atividades não essenciais e medidas de confinamento domiciliar.
Neste sentido, a validação dos atos locais de restrição à circulação de pessoas, além de endossados a nível mundial, foram objeto de aprovação legal, como se depreende dos artigos 2º, II, 3º, § 7º, II, entre outros, da Lei Federal nº 13.979[2], de 06 de fevereiro de 2020.
Assim, no âmbito do Estado de São Paulo, vige o Decreto nº 64.881[3], de 22 de março de 2020, o qual determinou quarentena até a data de 22 de abril de 2020, de forma que apenas funcionam presencialmente os estabelecimentos que vendem insumos essenciais, como aqueles relacionados ao comércio de gêneros alimentícios e medicamentos.
Como seria de se esperar, a restrição à abertura de uma senda de comércios contrapõe interesses econômicos e tem provocado intensa discussão social acerca da necessidade e eficácia das medidas restritivas, discussões estas mais acaloradas por conta da politização de um debate que, até então, deveria ser meramente técnico.
A despeito de tanto, certo é que à luz de orientações técnicas[4][5], a fragilização das medidas restritivas à circulação e funcionamento das atividades não essenciais poderá acelerar o colapso do sistema de saúde e o infeliz e irreversível crescimento da contaminação e dos óbitos dele decorrentes.
Necessário, ainda, considerar que o Brasil vem adotando uma política de baixa testagem dos casos efetivamente contaminados pelo vírus[6][7], de modo que o número de casos conhecidos espelha somente uma pequena medida dentre o número real de casos, de modo que a eventual tranquilidade passada pela ausência de casos positivos em determinado Município, pode, com grande carga de segurança, não representar a realidade fática do local.
Assim sendo, visando, especialmente, a proteção da vida, integridade física e saúde das pessoas e do sistema de saúde como um todo, expeço Recomendação Administrativa ao Município de Itaporanga, nos termos abaixo.
RECOMENDAÇÃO ADMINISTRATIVA
Considerando que incumbe ao Ministério Público a defesa dos interesses individuais e sociais indisponíveis, como a saúde, na forma dos arts. 127, “caput” e 129, II da Constituição Federal; bem como art. 25, IV, “a”, da Lei n° 8.625/93;
Considerando que a ordem constitucional brasileira estabelece que cabe ao Estado assegurar medidas de preservação à saúde, inclusive mediante ações descentralizadas, nos termos dos artigos 196 e 198, I, da CF/88;
Considerando que a Constituição, ainda, inclui o serviços de vigilância sanitária e epidemiológico no cerne do direito à saúde, cumprindo ao Estado, portanto, o implemento de tais serviços (art. 200, II, da CF/88);
Considerando que o mundo convive, atualmente, com a alarmante e notória pandemia causada pelo Coronavirus, de modo que uma senda de países, inclusive aqueles com intensa e notória preocupação econômica, têm adotado medidas de restrição de circulação de pessoas, em prejuízo parcial e passageiro de todo o sistema econômico;
Considerando que as medidas de quarentena e restritiva de pessoas têm surtido efeito positivo no controle da disseminação da COVID-19 no Brasil;
Considerando que os recursos financeiros do Estado direcionados à saúde são finitos e um colapso do já frágil sistema poderá representar um número incontável de óbitos;
Considerando que informações obtidas junto à Comarca de Itaporanga, a qual abrange, além desta cidade, os Municípios de Barão de Antonina e Riversul, dão conta de que o trânsito de pessoas tem sido intensificado, com diminuição do respeito às regras de circulação e confinamento domiciliar;
Considerando que está havendo pressão por parte dos comerciantes e consumidores dos mencionados Municípios acerca da reabertura do comércio local, com a intensificação do trânsito de pessoas e aglomeração, em via oblíqua ao preconizado pelas autoridades sanitárias;
Considerando, finalmente, o artigo 5° do Ato Normativo n° 484 do CPJ (Colégio de Procuradores de Justiça) de 05/10/06, segundo o qual a recomendação é instrumento destinado à orientação de órgãos públicos ou privados, para que sejam cumpridas normas relativas a direitos e deveres assegurados ou decorrentes das Constituições Federal e Estadual e serviços de relevância pública e social.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO expede RECOMENDAÇÃO ADMINISTRATIVA aos MUNICÍPIOS DE ITAPORANGA, RIVERSUL e BARÃO DE ANTONINA, para que:
Em caso de não acatamento desta Recomendação, o Ministério Público informa desde já que adotará as medidas legais necessárias a fim de assegurar a sua implementação, inclusive através do ajuizamento de ação civil pública ou outra medida análoga.
Itaporanga, 13 de abril de 2020.
(assinatura digital)
JULIANO CARVALHO ATOJI
Promotor de Justiça
Bruno Luiz Turci
Analista Jurídico
[1] https://google.com/covid19-map/?hl=pt-BR
[2] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L13979.htm
[3] https://www.saopaulo.sp.gov.br/wp-content/uploads/2020/03/decreto-quarentena.pdf
[4] https://oglobo.globo.com/sociedade/coronavirus/afrouxamento-da-quarentena-por-coronavirus-ameaca-antecipar-colapso-de-hospitais-1-24365587
[5] https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2020/04/08/interna-brasil,843067/infectologistas-alertam-para-o-perigo-de-a-quarentena-se-afrouxar.shtml
[6] https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/04/08/testes-para-covid-19-entenda-a-situacao-no-brasil-e-tire-duvidas-sobre-os-exames-diagnosticos.ghtml
[7] https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/04/ministerio-da-saude-nao-sabe-quantos-testes-de-coronavirus-foram-feitos-no-brasil.shtml